Confirmada a ilegalidade de obrigação de inserção das matrículas nos parcómetros – Privatização do estacionamento continua a acumular controvérsias
A privatização do estacionamento na via pública no Porto é um processo que tem vindo a ser notícia pelos piores motivos. Esta medida, desligada que uma verdadeira estratégia de reforço da mobilidade, abrangerá até 2/3 da área do concelho, impondo novos custos para quem vive ou trabalha nas zonas implicadas, ao que acresce ainda uma prática de verdadeira “caça à multa” e de ameaça à privacidade dos utilizadores, que se pretende que sejam obrigados a introduzir os dados da matrícula para poder estacionar, a par com o desrespeito pelas funções dos fiscais municipais.
Transformou-se uma ferramenta para uma melhor mobilidade na cidade num simples negócio repleto de contradições e de elementos pouco claros.
As muitas e crescentes dúvidas que envolvem este processo confirmam a pertinência da posição que a CDU assumiu desde a primeira hora contra a privatização do estacionamento na via pública.
Em março, perante a constatação da imposição de fornecimento dos dados da matrícula para poder estacionar nas áreas com estacionamento pago na via pública, a CDU fez uma participação à CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados. De imediato a CNPD determinou a suspensão da obrigatoriedade de inserção dos dados da matrícula até conclusão da análise da situação, tendo em conta que a Câmara do Porto e a concessionária EPorto tão-pouco tinham consultado previamente a CNPD antes de implementar o sistema, algo a que estavam legalmente obrigados.
A CDU torna agora público que, concluída a análise da situação, a CNPD, entidade a quem compete a atribuição genérica de “controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei”, emitiu um parecer com os seguintes conteúdos inequívocos (sublinhados nossos):
“Exigir que seja registada sempre a matrícula de um veiculo estacionado, no âmbito do procedimento de pagamento do estacionamento temporário (pode ser de 15 minutos) numa via pública, significa recolher informação e tratá-la de forma centralizada sobre a localização de todos os veículos estacionados em zonas pagas de uma cidade ou de um concelho, com referência à data e hora, e consequentemente conhecer da localização aproximada do seu proprietário e tempo de permanência numa determinada área ou, ainda, o seu percurso por várias áreas ao longo do dia.
É precisamente pelo potencial informativo sobre os hábitos de uma pessoa que decorre do tratamento do dado “matricula”, em associação com o local, data e duração aproximada do estacionamento, que este é um dado pessoal relativo à vida privada das pessoas, logo revestindo a natureza de dado sensível, à luz do nº1 do artigo 7º da lei nº 68/98, de 26 de outubro, alterada pela Lei nº103/2015, de 24 de agosto – Lei de Proteção de Dados Pessoais.
Com efeito, independentemente das medidas técnicas e das salvaguardas adotadas para restringir o impacto do tratamento desta informação e prevenir a sua utilização abusiva, o processamento de forma automatizada e em larga escala da localização de um veículo específico e, por conseguinte, indicador com elevado grau de probabilidade de localização do seu proprietário, locatário ou usufrutuário, apresenta riscos significativos de intrusão na privacidade dos cidadãos.
(…) Na verdade, as pessoas têm o direito de poder deslocar-se e circular de forma anónima, isto é, sem que seja feito um registo dos seus movimentos, mesmo que aproximados.
(…) Quanto a disposição legal que habilite ao tratamento do dado “matrícula”, não existe norma que obrigue o titular dos dados a facultar a matrícula do seu veículo para o ato de pagamento do título de estacionamento. A obrigação legal reduz-se ao imperativo de pagar o estacionamento que seja tarifado. Só após a verificação do incumprimento deste dever, e a fim de acionar os mecanismos de cobrança coerciva, haverá legitimidade para recolher esta informação. Ora, isto faz toda a diferença, pois não haverá registo da matrícula de todos os veículos estacionamento, mas apenas daqueles que eventualmente se encontrem em situação de incumprimento.
(…) Seja como for, o que é essencial é facultar uma alternativa às pessoas que querem poder pagar a tarifa de estacionamento devida, sem que tal implique que tenham de abdicar do seu anonimato e ver registada a matrícula do seu veículo de modo centralizado, permitindo saber automaticamente onde, quando e durante quanto tempo estiveram nas imediações de determinado local. O atual quadro legal não permite retirar esta liberdade aos cidadãos.”
Assim, de acordo com a CNPD, no limite, a digitação dos dados da matrícula para este efeito será facultativa, dependente da vontade do utilizador, e nunca obrigatória conforme desejado pelo Câmara do Porto e pela EPorto.
Segundo refere a CNPD, durante a consulta feita à Câmara do Porto e à EPorto durante a elaboração deste parecer foi exposto que “a digitação da matrícula é essencial à funcionalidade do sistema como um todo. A existência em simultâneo de um sistema digital e de um sistema de títulos de estacionamento em papel desvirtua todo o processo …”.
Esta qualificação de “essencial” atribuída à recolha da matrícula permite apreciar que a posição da CNPD corresponde a um sério revés para as intenções da Câmara do Porto e da EPorto no quadro deste processo de privatização.
Acrescente-se ainda, e não menos importante, que a CNPD determinou também limites e prazos restritivos no que se refere à conservação dos dados pessoais decorrentes da utilização do sistema Telpark (aplicação de telemóvel), no sistema EOS (plataforma informática que centraliza a informação relativa à gestão do estacionamento) e do recurso ao método de controlo através de Visual Car (veículos com dispositivos vídeo que permitem fazer reconhecimento ótico das matrículas).
A CDU continuará empenhada em utilizar todos os recursos ao seu dispor para defender os interesses dos portuenses e da cidade do Porto, na certeza que a sua intervenção tem sido determinante para condicionar a concretização de intenções muito negativas da coligação Rui Moreira/CDS/PS.
Porto, 3 de janeiro de 2017
A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto