CMP aprova atribuição de Medalha de Ouro a Papiniano Carlos
Na sua reunião de 2 de Março a Câmara Municipal do Porto aprovou por unanimidade o seguinte voto de saudação proposto pela CDU:
PAPINIANO CARLOS
(Proposta de atribuição da Medalha de Mérito, Grau Ouro)
Papiniano Manuel Carlos de Vasconcelos Rodrigues nasceu em Lourenço Marques (actualmente Maputo), capital de Moçambique, no ano de 1918, tendo feito 90 anos no passado dia 9 de Novembro – data que foi devidamente assinalada por uma homenagem que lhe foi prestada por diversas instituições e personalidades da cidade do Porto.
Cedo se fixou nesta cidade, onde concluiu os seus estudos secundários. Matriculou-se depois na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde conheceu Jorge de Sena. Contrariamente a este, Papiniano Carlos não chegou a concluir o curso, largamente preterido pelas suas aspirações literárias.
Papiniano Carlos é autor de uma vasta e diversificada obra literária. De salientar uma dezena de recolhas de poesia, editadas entre 1942 (data da publicação de Esboço) e 1973; A Ave sobre a Cidade que reúne composições dos livros anteriores; os vinte e um textos de «Os Ciclistas»; e também a antologia Sonhar a Terra Livre e Insubmissa, que, sob a epígrafe de um verso de Daniel Filipe, alberga composições de três dos principais dinamizadores dos cadernos de poesia «Notícias do Bloqueio», Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão e Papiniano Carlos que, entre 1957 e 1961, dariam, com outros, novo fôlego a uma escrita herdeira do que de melhor nos legou o neo-realismo.
A poesia de Papiniano que Fernando Lopes Graça e Luís Cília, por vezes, converteram em canção e a que diversos antologiadores e críticos se referiram, como E. M. de Melo e Castro e Maria Alberta Menéres, Jorge de Sena, Luísa Dacosta ou Fernando J. B. Martinho. Os dois primeiros escreveram: «Papiniano Carlos, superando os limites parassocialistas do neo-realismo, consegue uma poesia fluente e rica de ressonâncias do humanismo integral das massas.».
Também Luísa Dacosta comenta a sua poesia nestes termos: «Servido por uma linguagem directa em que as palavras têm a pureza da significação primeira, a poesia de Papiniano Carlos, forma encontrada para um conteúdo de dor e sonho, afirma-se autêntica criação.»
Ou como observou Jorge de Sena, a sua poesia “ergueu-se acima da oratória, com vibrante generosidade e algum desdém pelas artes poéticas, e teve larga influência em poetas ulteriores”.
A estas obras, a que vêm somar-se a plaquette Canto Fraternal (2005) e vários poemas dispersos, juntem-se um livro de contos com três edições, Terra com Sede, de 1946 (a primeira edição com capa de Júlio Pomar), e um belo romance, O Rio na Treva (1975), a par de A Rosa Nocturna (1961), «excelente volume de crónicas», no dizer do crítico Serafim Ferreira. Recorde-se ainda o livro A Memória com Passaporte: Um tal Perafita na «Casa del Campo», editado em 1998 com o subtítulo Relato de um Prisioneiro na PIDE do Porto, em 1937.
Outra vertente, e uma das mais relevantes, da criação literária de Papiniano Carlos vamos encontrá-la nas suas sete obras para crianças, nas quais descobrimos narrativas em prosa e em verso e alguns poemas: A Menina Gotinha de Água (1963), O Cavalo das Sete Cores e o Navio (1977), Luisinho e as Andorinhas (1977), O Grande Lagarto da Pedra Azul (1989), A Viagem de Alexandra (1989), A Gaivota Branca (in J. A. Gomes (org.), Contos da Cidade das Pontes, 2001) e Era Uma Vez (2001). Algumas destas obras, muito reeditadas, são verdadeiros «clássicos» da nossa literatura para a infância – como A Menina Gotinha de Água, centrado no ciclo da água, e Luisinho e as Andorinhas, inspirado em Beethoven e dedicado a Lopes Graça. Neste conjunto de livros infantis, Papiniano emparceirou com ilustradores de renome, como João da Câmara Leme, João Machado, Henrique Cayatte, Manuela Bacelar e António Modesto, para apenas citar alguns.
O autor de O Rio na Treva contribuiu, deste modo, logo desde os anos 60, para a nova literatura para a infância que, em Portugal, haveria de emergir no início da segunda metade do século XX, pela mão de autores como Aquilino Ribeiro (com O Livro de Marianinha, de publicação póstuma, em 1967), Sidónio Muralha, Alves Redol, Ilse Losa, Matilde Rosa Araújo, Norberto Ávila, Maria Rosa Colaço e, no seu modo peculiar, Sophia de Mello Breyner Andresen.
Papiniano Carlos está representado em diversas antologias da poesia portuguesa e da literatura para a infância, editadas em Portugal e no estrangeiro (Espanha, França, Brasil, Argentina), numa discografia em que podemos ouvi-lo a ler os seus próprios poemas (Papiniano Carlos por Papiniano Carlos, Porto, Orfeu – Arnaldo Trindade) ou escutar a sua Menina Gotinha de Água lida por Carmen Dolores (Lisboa, RR Discos Lda.) e num filme de Alfredo Tropa (produção RTP) a que a mesma Menina Gotinha de Água serve de base.
Papiniano Carlos não se devotou apenas à sua própria escrita. A vivência moçambicana (nasceu em 1918 na actual Maputo, antiga Lourenço Marques) deixou raízes e atraiu-o de novo ao continente africano. Em 1958, contacta artistas, jornalistas e escritores de Angola e Moçambique, entrevistando-os e recolhendo material a que dará divulgação em publicações diversas, como o Jornal de Notícias, o República, a Seara Nova, Bandarra e os cadernos «Notícias do Bloqueio».
Para além (e indissociável) da sua actividade literária, Papiniano Carlos desempenhou uma intensa actividade de combate à ditadura, tomando parte activa nos diversos movimentos de oposição e militando no Partido Comunista Português desde 1949 – actividade essa que lhe valeu perseguições e diversas prisões nos calabouços da polícia política.
Porto, 26 de Fevereiro de 2009.
O Vereador da CDU – Coligação Democrática Unitária,
Rui Sá