Intervenção da CDU na Assembleia Municipal sobre a Municipalização da STCP
Assembleia Municipal do Porto – 21 dez.16
Discussão Municipalização STCP
Intervenção CDU- Belmiro Magalhães
Importa lembrar que só estamos a fazer esta discussão porque a privatização tentada pelo governo PSD/CDS foi derrotada. Valeu a pena lutar!
A derrota da privatização tentada pelo anterior governo foi uma enorme vitória contra a resignação e o conformismo. Tinha razão a CDU quando manteve, até ao fim, a confiança na possibilidade de travar a privatização.
O Sr. Presidente da Câmara certamente que não levará a mal que lembre esta Assembleia que V. Exa. não acompanhou a CDU quando mantínhamos esta confiança na possibilidade de interrupção da privatização, chegando até a tentar ser parceiro da mesma. Mesmo depois de ter desistido de ser parceiro da privatização, perante o inconformismo da CDU, V.Exa. disse aqui “mas o governo tem maioria absoluta, querem que faça o quê?”.
A CDU não desistiu. Os trabalhadores e as populações também não desistiram. Por isso não estamos aqui hoje a debater as consequências da privatização.
Sobre o conteúdo da proposta:
Não responde às necessidades e comporta sérios perigos.
A municipalização dos transportes públicos tem sido perspetivada por muitos enquanto instrumento do processo de privatização destas empresas.
No entanto, a proposta em apreço resulta de circunstâncias específicas: encontra-se influenciada pela nova fase da vida política nacional, pelo debate público feito em torno deste tema e pela ação reivindicativa dos trabalhadores e das populações.
E é por isso que não comporta apenas aspetos negativos. Diga-se que, por isso mesmo, não é a municipalização que alguns queriam.
Na nossa opinião, há que distinguir duas coisas: que as autarquias tenham uma palavra determinante na resposta que as empresas públicas de transportes dão aos problemas das populações é algo, admitir que compete às autarquias garantir, através dos seus próprios orçamentos, o funcionamento adequado das empresas públicas de transportes é outra bem diferente!
Não basta embrulhar a proposta em generalidades, em procissões de fé, em palavras bonitas e promessas mal fundamentadas.
Identificamos progressos em opções tomadas depois das últimas eleições legislativas que resultam de um combate continuado e que não decorrem diretamente do processo de municipalização:
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Por exemplo, a integração recente de dezenas de motoristas nos quadros da empresa. Foi importante. É um primeiro passo para responder à falta de motoristas, problema crónico da empresa.
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Outro exemplo, que também não decorre da municipalização mas que a condiciona e muito, é o reconhecimento de que a STCP se deve manter 100% pública. Na sequência de uma intervenção determinada do PCP e apesar o posicionamento revanchista de PSD e CDS e da interferência do Sr. Presidente da República, a Assembleia da República aprovou uma importante alteração aos estatutos da STCP, publicada estes dias em Diário de República, da qual cito o seguinte excerto mesmo correndo o risco de deixar aborrecidos alguns dos presentes:
“A atividade de transporte público rodoviário de passageiros na área urbana do Grande Porto, a ser exercida pela STCP, S.A., não pode ser transmitida ou subconcessionada a outras entidades que não sejam de direito público ou de capitais exclusivamente públicos.”.
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Outro exemplo, o compromisso de investimento numa nova frota de autocarros. Este é um investimento bem necessário!
Estes progressos, inseparáveis da nova fase da vida política nacional, não iludem a existências de perigos muito sérios com esta proposta de municipalização.
E cabe perguntar, mas é preciso municipalizar a STCP para que o governo invista numa nova frota de autocarros? Ou para contratar motoristas? Obviamente, não!
O que está em cima da mesa não é uma descentralização mas, de facto, um aligeirar de responsabilidades por parte da Administração Central.
A assunção da responsabilidade da gestão de transportes públicos pelas autarquias não é algo de novo no panorama nacional. Ninguém está agora a inventar a pólvora. Observem-se os casos das câmaras que têm estes encargos, como Braga, Coimbra ou Barreiro.
Os presidentes destas câmaras o que reclamam é que a Administração Central os ajude a garantir esta responsabilidade. Paradoxalmente, aqui no Porto, há autarcas empenhados exatamente no contrário.
Pese embora o Governo admita manter financiamento durante um certo período de tempo, segundo o que é conhecido, a médio prazo serão as autarquias a assumir os prejuízos e os investimentos necessários.
Atente-se ao seguinte:
Foi dito que poderá agora ser feito um investimento na ordem dos 90 milhões de euros para renovação da frota.
O período de vida das novas viaturas é limitado. Ou seja, daqui a um par de anos será necessário renovar o investimento.
Para se ter uma ideia da dimensão dos montantes, recordamos as seguintes equivalências:
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Corresponde a 3 vezes a Requalificação Mercado do Bolhão – 27 milhões euros. Este foi um investimento adiado durante anos por alegados motivos orçamentais.
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Corresponde a 9 vezes aquilo que o concessionário pagou pelo direito de explorar o estacionamento da via pública em toda a cidade.
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Corresponde a cerca de 30 anos de investimentos nos bairros sociais municipais aos níveis de investimento de 2015.
Sr. Presidente da Câmara,
E se as coisas não correrem como previsto, quem paga a fatura?
Alguém acredita que várias das outras câmaras envolvidas têm condições objetivas para dar este salto? Das 6 autarquias que mais diretamente vão gerir a operação, pelo menos 3 estão confrontadas com planos de saneamento financeiro, profundamente endividadas e sem capacidade de investimento.
E depois, vai a Câmara do Porto desviar os seus recursos da resposta que tem que dar ao que hoje já lhe compete para assumir o financiamento da STCP?
Permitam-nos acrescentar o seguinte: pese embora as declarações públicas da tutela sobre a salvaguarda da dívida histórica da empresa, nada está escrito no que se refere ao pós – término do contrato de 7 anos. Portanto, neste caminho transitório de alheamento das responsabilidades por parte da Administração Central, não há garantias expressas que a dívida histórica não irá a prazo cair sobre as autarquias.
Sr. Presidente, depois não venha dizer que não sabia…
Note-se a seguinte contradição:
Alegando falta de meios, o Sr. Presidente da Câmara decidiu privatizar integralmente a recolha do lixo e limpeza, o estacionamento na via pública, o Pavilhão Rosa Mota e até bairros sociais, mas, agora, pretende assumir esta nova e colossal competência.
Quer dizer, não consegue garantir sequer a limpeza da cidade, mas vai conseguir garantir o funcionamento de uma empresa com a dimensão e com as implicações sociais da STCP?
Alguma coisa não bate certo…
Da mesma forma que o PCP e a CDU nunca desistiram de travar a privatização tentada pelo anterior governo, agora também não desistem de tentar impedir que esta proposta de municipalização repleta de perigos se verifique.
Aproveito esta discussão para informar que o Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República deu hoje entrada com um pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei que estabelece a municipalização da STCP, numa demonstração que o PCP e a CDU continuarão a utilizar todas as ferramentas políticas e institucionais ao seu dispor para defender os interesses das populações da cidade e da região do Porto.
Disse